A alimentação exerce um papel fundamental na recuperação de doentes, uma vez que é essencial para garantir todos os nutrientes que o corpo precisa, principalmente, em um momento de enfermidade.
Dentre os diversos serviços de um hospital, por muitos anos, o assunto alimentação carregou o estigma de algo ruim, sem gosto e desagradável ao paladar. No entanto, hoje em dia, a comida hospitalar já é considerada um segundo remédio para os pacientes. Por isso, ganha, cada dia mais, destaque e altos investimentos, como a contratação de empresas e profissionais especializados para trabalhar tanto dentro quanto fora dos hospitais.
Jossane Fernandes da Costa Barboza é coordenadora do serviço de Nutrição do Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte, em Minas Gerais, onde “o Serviço de Nutrição e Dietética (SND) da unidade enquadra-se no modelo de autogestão e produz todas as refeições e lanches servidos para pacientes e colaboradores. Produzimos uma média mensal de 100.000 serviços e contamos com uma equipe de 50 funcionários para assegurar o preparo de todas as refeições. A equipe é composta de nutricionistas, técnicos em Nutrição, cozinheiros, auxiliares de cozinha, estoquista, auxiliares de estoque e açougueiro”, explica.
Segundo Barboza, “a produção das refeições no Hospital Madre Tereza começa com o planejamento do cardápio que será servido ao longo de todo o dia e o mesmo inicia no desjejum, dando continuidade com a colação, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia para os pacientes e acompanhantes. Para os colaboradores, também não é diferente. Iniciamos o dia ofertando o desjejum, almoço, lanche da tarde e jantar. Totalizando todos os serviços, temos uma produção diária de 3.340 refeições. Todo o processo de produção é supervisionado pelos nutricionistas e técnicos em Nutrição. Entendemos que a alimentação é essencial para recuperação do paciente e, por esse motivo, contamos com uma equipe de nutricionistas clínicas para prestar atendimento individualizado e nos trazer as demandas individuais de cada paciente. Temos um cardápio padrão, que é ofertado todos os dias pelas copeiras, mas respeitamos e atendemos as preferências, hábitos alimentares, crenças e todas as situações de intolerâncias e alergias alimentares. Naturalmente, para realizar esse trabalho, temos uma gestão financeira dos custos de produção. Trabalhamos com indicadores financeiros e metas mensais a serem alcançadas. Prezamos pela qualidade e segurança alimentar de modo que a gestão financeira está alinhada ao combate ao desperdício, à análise da sazonalidade e à negociação na compra dos gêneros utilizados no preparo de todas as refeições”, detalha.
A coordenadora do serviço de Nutrição complementa ainda que “a alimentação hospitalar, ao contrário do que muitos pensam, é uma alimentação que pode e deve manter todas as características organolépticas (cheiro, cor, sabor, aroma), responsáveis por manter o desejo e o gosto de comer dos pacientes. Atualmente, as cozinhas dietéticas têm incorporado técnicas de preparo que conciliam a prescrição dietética às restrições alimentares impostas ao paciente devido à necessidade de otimizar sua recuperação. Na cozinha dietética do Hospital Madre Tereza, não é diferente. Utilizamos temperos naturais, ervas e cheiro verde. Tudo com foco em realçar o sabor das preparações sem comprometer a qualidade do alimento. Também temos como estratégia equipamentos de alta performance, forno combinado, que contribui para um cozimento uniforme, manutenção das cores dos alimentos, crocância e saudabilidade, pois conseguimos manter os nutrientes preservados nas preparações. Para que tudo isso ocorra, mantemos um processo padronizado em etapas de execução, onde fazemos o pré-preparo, preparo, porcionamento e distribuição dos alimentos. A segurança alimentar é garantida por meio de uma cadeia de temperatura quente e fria onde os alimentos, depois de prontos, são acondicionados até o seu porcionamento e entrega nos apartamentos. Tudo isso ocorre na temperatura preconizada pelas legislações vigentes em nosso país. Alimentação hospitalar tem como objetivo principal favorecer a recuperação do paciente e não permitir que a desnutrição ocorra no ambiente hospitalar. O alimento e os seus nutrientes são responsáveis por assegurar o turnover celular. Ele e somente ele é capaz de construir células, permitir que os medicamentos ingeridos atuem no combate aos nossos inimigos (fungos, vírus, bactérias). O alimento promove o fortalecimento do nosso sistema imunológico e, por isso, temos que estar bem alimentados em todas as fases de nossa vida”, ressalta.
Por ocupar tamanha relevância na recuperação de doentes, a comida hospitalar também requer uma atenção especial. Lívia Siqueira Campos Alves, coordenadora e responsável técnica do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital Felício Rocho (HFR), também localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, ressalta, inclusive, que “trabalhar com a alimentação hospitalar requer o dobro de atenção em sua cadeia de produção no meu ponto de vista. Apesar de trabalharmos com as mesmas normas e resoluções que são referência para as boas práticas de produção e manipulação de alimentos de comensais sadios. O que mais diferencia são nos cuidados da manipulação de dietas administradas via sonda. Essas possuem resoluções específicas. Uma das diferenças é na área de manipulação das mesmas, onde a colaboradora deve paramentar com capote, propé, touca e máscara, além do ambiente ser climatizado e monitorada a temperatura duas vezes ao dia”.
Alves partilha que “a alimentação no Hospital Felício Rocho é produzida pelo sistema serviço de autogestão, que produz diariamente 2.200 lanches e 3.400 grandes refeições (almoço e jantar), sendo dessas, 420 são especiais (com restrição de nutrientes ou alteração de consistência). O público que usufrui desse serviço são os pacientes com dietas administradas por via oral liberadas, acompanhantes, colaboradores do hospital, residentes, estagiários, jovens e menores aprendizes. Para dar conta desse número expressivo de refeições, o serviço conta com um quadro de aproximadamente 105 colaboradores e funcionamento 24 horas. Esse quadro é integrado por nutricionistas, técnicos de nutrição, estagiário de nutrição, chef de cozinha, cozinheiro, dietista, agente de atendimento, almoxarife, açougueiro, copeira auxiliar de cozinheiro, auxiliar de serviços gerais e jovem aprendiz. Não posso também deixar de relatar o lactário como complementação do serviço de alimentação do hospital. O mesmo está localizado em uma área física estratégica, pois encontra-se bem no centro do hospital, facilitando o deslocamento e rapidez na entrega de nossos produtos. São seis dietistas que fazem o serviço que funciona 24h, onde produzem e distribuem fórmulas lácteas, suplementos alimentares modulados e dietas enterais, que são administradas nos pacientes com restrições maiores de nutrientes e volume de dietas, administradas por via sonda. Todo o planejamento – compra, armazenamento, produção e distribuição das nossas refeições – são executados e acompanhados por nutricionistas e técnica de Nutrição. São servidas cinco refeições para os pacientes: café da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia. Ainda há três refeições para os colaboradores para cada turno. A alimentação do Hospital Felício Rocho é produzida com base em diretrizes e princípios de uma alimentação saudável, harmoniosa e segura, conforme dieta prescrita para cada paciente e sua patologia. O Serviço de Nutrição e Dietética da unidade, sempre que possível, trabalha e desenvolve
ferramentas para melhor entender a experiência do paciente, sendo o cartão de dieta individualizado uma dessas ferramentas, onde as nutricionistas e estagiários de nutrição registram para a produção de refeições as aversões e preferências alimentares, até a sua alta hospitalar. Individualizar o tratamento para o serviço de nutrição começa na prescrição da dieta realizada pela equipe do suporte nutricional, onde uma equipe multidisciplinar com nutrólogos, nutricionistas, enfermeiros, farmacêuticos e fonoaudióloga discutem os casos até chegarem em uma prescrição que seja moldada para cada paciente, levando em consideração vários fatores, como diagnóstico, sintomas, crenças religiosas, cultura, desejos, entre outros”, relata.
Ao contrário dos hospitais que optam por trabalhar a alimentação por autogestão, há unidades de saúde que preferem terceirizar a etapa de preparo dos alimentos como forma de otimizar e melhorar o atendimento aos seus pacientes.
Com isso, já existem empresas especializadas nesse tipo de prestação de serviço, como a Nora Alimentos, que iniciou suas atividades em 1989, em Pindamonhangaba, interior de São Paulo.
Inicialmente, a empresa atendia apenas lojas especializadas em comida congelada, incluindo experiências em supermercado e hotéis. Porém, conforme Julio Lerario Neto, diretor comercial da empresa, “iniciamos no mercado hospitalar por acaso devida à necessidade de um hospital regional aqui em nossa cidade. Hoje, atendemos exclusivamente hospitais, não atendemos a nenhum outro segmento justamente para ter sinergia máxima com nossos clientes. Nos dedicamos, diariamente, em como atender melhor o mercado hospitalar. Atendemos diversos hospitais, principalmente, localizados em São Paulo. Desenvolvemos, junto com a nutricionista, das unidades um cardápio para atendimento das necessidades de dietas de cada cliente. Não servimos a refeição apenas. Acompanhamos, treinamos e orientamos a maneira correta de regeneração dos nossos produtos por uma profissional especializada em dietas hospitalares. Todas nossas refeições são ultracongeladas para garantia de qualidade até o paciente. Algumas de nossas dietas são geral, branda, diabética, hipossódica, cremoso homogênea, sopas, caldos e cremes, infantil, hepatopata, hipolalergenica, entre outras. Todas possuem uma ficha técnica, que é desenvolvida por uma nutricionista especializada em gastronomia hospitalar”, diz.
De acordo com Neto, “trabalhar com alimentação hospitalar exige um alto grau de profissionalismo e respeito às boas práticas de manipulação de alimentos. Quando falamos em atender pacientes que já se encontram debilitados, a responsabilidade aumenta ainda mais. Todas as fases de nosso processo são monitoradas
cuidadosamente. Digo que vai muito além de apenas respeitar as normas, precisa fazer parte da cultura da empresa. Seja qual for o cargo ou função, perfeccionismo é uma busca diária com muita dedicação e treinamento constante de toda nossa equipe. Devido à grande variedade de cardápio que um hospital precisa, temos diversas restrições alimentares para atendimento. Por isso, nos obrigamos a produzir em torno de 500 tipos de dietas diferentes por mês. Todos nossos produtos são entregues congelados para armazenamento em freezers ou câmara frigoríficas. O processo de descongelamento pode ser feito em micro-ondas, fornos combinados ou carros térmicos, conforme o volume diário de refeição consumida. Atendemos todo tipo de cliente, pequeno (até 50 leitos), médio (até 150 leitos) e grande porte (acima de 150 leitos). Além dos pacientes, atendemos também o conforto médico, acompanhantes e colaboradores do
hospital”, lista.
Ainda segundo Neto, da Nora Alimentos, “cada vez mais, os hospitais percebem que precisam focar na sua atividade principal que é atendimento de seu paciente. Toda e qualquer atividade que não se destina ao atendimento direto do paciente não precisa estar no mesmo local. Seja o administrativo, a lavanderia ou a cozinha. O metro quadrado em São Paulo, por exemplo, é muito caro para ter panelas e fornos para cozinhar arroz e feijão. Já fui em alguns hospitais que dedicam um andar inteiro ao serviço de alimentação. Quantos consultórios ou salas de cirurgias caberiam em um espaço deste? O mercado hospitalar tem se fundido. Grandes grupos econômicos têm adquirido muitos hospitais e essa é a tendência de mercado. Dessa forma, não é fácil iniciar, pois a demanda por estrutura já começa desde no seu primeiro cliente e qualquer falha em um atendimento reflete para toda a rede de hospitais. Quando um hospital transforma sua cozinha em congelada, existe também uma grande dependência do hospital com nossa empresa, pois, frente a qualquer imprevisto, seja na produção, armazenamento ou entrega, o paciente precisa ter sua refeição à disposição no hospital. Hoje, contamos com uma estrutura robusta localizada no Vale do Paraíba. Temos um caminhão reserva que fica à disposição dos nossos clientes somente para cobrir contingência. Trabalhamos com um estoque alto para mesmo que aumente a ocupação do hospital repentinamente, garantimos o fornecimento das refeições. A greve dos caminhoneiros foi um grande teste para nossa empresa e 100% dos nossos clientes foram atendidos. Já imaginou se o hospital dependesse de diversos fornecedores para produção local de suas refeições?”, questiona.
Barboza, do Hospital Madre Tereza, pondera que “trabalhar com alimentação hospitalar requer vários cuidados, desde a qualificação dos nossos fornecedores até a manutenção de amostras de todos os alimentos produzidos e servidos aos pacientes por um período de 72 horas, após o consumo desse alimento. Precisamos de ter mão de obra qualificada e que conheça de dietas hospitalares, pois ofertamos alimentos em várias texturas, alimentos que precisam de pré-preparos especiais, como os ofertados para pacientes renais, alimentos preparados de acordo com as exigências requeridas para a realização de exames”, diz.
Alves, do Hospital Felício Rocho, por sua vez, afirma que “no mercado mineiro, vejo uma melhora expressiva nesse tipo de serviço e somente precisamos avançarmos mais na parte da alta gastronomia hospitalar. Já melhoramos muito do que ofertávamos há 10 anos. A terceirização do serviço de alimentação hospitalar é segura tanto quanto uma produção de alimentação de autogestão, uma vez que utilizam das mesmas normas e diretrizes. A escolha para qual desses serviços iremos contratar será de acordo com a necessidade da área física e disponibilidade de investimento financeiro que cada serviço possui, pois a terceirização tem um custo maior do que uma autogestão, na maioria das situações”, avalia.
Independentemente se o serviço de alimentação hospitalar é prestado em modelo de autogestão ou terceirização, os entrevistados reforçam que o mais importante é a priorização da atividade ser realizada corretamente e sempre tendo o paciente como ponto central.
Barboza, do Hospital Madre Tereza, recomenda “para quem está entrando no mercado de refeições hospitalares, a primeira dica que deixo é contratar um nutricionista de produção que trabalha com produção de refeições hospitalares. Depois, estruturar, na empresa, a parte de treinamento, pois a mão de obra que atua com alimentação hospitalar precisa de ser bem treinada. O primeiro requisito para esse profissional é gostar de trabalhar em cozinha. Alimentar o outro é uma das maneiras de amar. Alimentar alguém que está doente precisando de restabelecer sua saúde é a tradução do amor em cuidado. Depois, é preciso ter conhecimento técnicos que abrangem: cortes dos alimentos, conhecer as características de um alimento bom para o consumo, ter conhecimento das boas práticas de produção de alimentos, ter conhecimento das dietas hospitalares”, exemplifica.
Além disso, ela salienta que, no Hospital Madre Tereza, “além de prestar assistência nutricional aos pacientes no período que se encontram internados, também há a preocupação com sua alta hospitalar, de modo que orientamos formalmente o tipo de alimentação que devem ter em casa após a alta. Assim como, com foco na redução do desperdício de alimentos, desenvolvemos, anualmente, uma campanha no refeitório dos colaboradores para sensibilizá-los que comida não pode ir para o lixo”.
Alves, do Hospital Felício Rocho, indica que o profissional da área “não deixe de fazer um atendimento humanizado e individualizado com o seu paciente. Um mínimo de atenção que dispendermos a ele será de grande valia para a contribuição do sucesso de seu tratamento. E sempre monitore os seus pontos críticos de perto”.
Por fim, Neto, da Nora Alimentos, aconselha que quem está começando no ramo de alimentação hospitalar deve “procurar iniciar com os menores, hospital-dia, por exemplo. O maior desafio de qualquer empresa desse ramo é vencer o preconceito de servir uma comida congelada. Esse preconceito existe, pois muitas empresas não realizam o processo de congelamento da forma correta, o que compromete e muito a qualidade do produto para o paciente. Todas as nossas refeições são resfriadas assim que saem dos fornos combinados e, após montagem, a uma temperatura de 3ºC, vai direto ao túnel de congelamento que, em 30 minutos, atinge -25º, no núcleo do produto. O processo de congelamento é o segredo para uma alimentação de qualidade ao seus clientes”.
Hospital Madre Teresa
www.hospitalmadreteresa.org.br
Hospital Felício Rocho
www.feliciorocho.org.br
Nora Alimentos
www.noraalimentos.com.br